antiago de Compostela é uma cidade e município (concello em galego) no noroeste de Espanha. É capital da comunidade autónoma da Galiza e faz parte da província da Corunha e da comarca de Santiago. O município tem 220 km² de área e em 2016 tinha 95 966 habitantes.
A visita a esse túmulo marca o fim da peregrinação, cujos percursos, os chamados Caminhos de Santiago ou Via Láctea, se estendem por toda a Europa Ocidental ao longo de milhares de quilómetros. Desde 1985 que o seu centro histórico (cidade velha) está incluído na lista de Património Mundial da UNESCO. Em 1993 foi também incluído nessa lista o Caminho de Santiago, que já tinha sido classificado como o primeiro itinerário cultural europeu pelo Conselho da Europa em 1987. Foi uma das capitais europeias da cultura em 2000.
Situa-se 70 km a sul da Corunha, 65 km a norte de Pontevedra, 100 km a noroeste de Ourense e 115 km a norte da fronteira portuguesa de Valença. Como capital da Galiza, ali está sediado o governo (Junta da Galiza) e o parlamento regionais galegos. É também uma importante cidade universitária, pela sua universidade, fundada em 1495 e que no ano letivo de 2011-2012 tinha mais de 28 000 alunos inscritos e no ano anterior tinha 2 164 docentes.
A origem do topónimo Compostela é um tema controverso, nomeadamente porque a possibilidade de a relacionar com o sepulcro de Santiago tende a que haja muitos argumentos emotivos ou baseados na tradição.
O primeiro nome medieval conhecido do local da cidade é Libredón, que para alguns teria origem celta (“castro do caminho”) e para outros deriva do latim liberum donum (“concessão gratuita”). Entre os séculos IX e XI chamou-se Arcis Marmoricis, que apresenta o topónimo Arca, quase sempre indicador de um sepulcro ou uma mamoa. No século XI os registos históricos começam a mencionar Compostella como um subúrbio, ou seja, parte de uma vila, que alguns situam na zona atual da Rua do Franco. A partir do século XI esse nome passa a aplicar-se a toda a vila.
Uma das versões mais divulgadas é a de que é uma derivação do latim Campus Stellae (“campo da estrela”), que evoca a estrela que que indicou milagrosamente ao bispo Teodomiro a localização do túmulo de Santiago (ver secção História – Origens). No entanto, o Cronicon Iriense (XI e XII) indica como origem do nome compositum tellus (plural: composita tella, “terras bem ajeitadas” ou “terras belas”), que pode ser um eufemismo para cemitério. No capítulo XII da Crónica de Sampiro (século XI) refere-se «Compostella, id est bene composita». No capítulo XII do Códice Calixtino, do século XII, conta-se a história de uma mulher chamada Compostella, presumivelmente ligada à pregação do Apóstolo.
Ángel Amor Ruibal, recordando o significado de compositum (“enterrado”) interpretou Compostela como significando “lugar onde está enterrado”. José Crespo Pozo e Luís Monteagudo consideram o topónimo anterior à tradição de Santiago, porque ele existe noutras partes da Galiza (e em O Bierzo há uma Compostilla), considerando-o uma derivação de comboros (escombros) e steel (ferro), significando “escória de minas e forjas e relacionando-o também com o bairro da cidade de Estila. Compostela pode ainda ser um hipocorístico do antropónimo Composta.
Na área atualmente ocupada pela catedral existiu um povoado romano que geralmente se identifica com a chamada mansão de Asseconia, situada à beira da estrada romana identificada como Via XIX no Itinerário de Antonino, que ia de Bracara Augusta (atual Braga) até Astúrica Augusta (atual Astorga). Este povoado existiu entre o século I d.C. e o século V, mas ali permaneceu uma necrópole que possivelmente foi usada durante Reino Suevo e até ao século VII.
A fundação da cidade está ligada à alegada descoberta dos restos mortais do apóstolo Santiago Zebedeu, ocorrida em 812 ou 813 ou ainda, segundo outras versões ou estimativas, entre 820 e 835 ou entre 818 e 842, que deu uma importância religiosa crescente ao local. A cidade desenvolveu-se graças à popularidade crescente como destino de peregrinação e, a partir do século XVI, também à criação da universidade. Na atualidade a cidade deve também parte da sua importância ao estatuto de capital da Galiza.
Segundo a tradição medieval, cujo registo mais antigo aparece na Concórdia de Antealtares (1077), o eremita Pelágio (ou Paio), alertado por luzes noturnas que avistou no bosque de Libredão (Libredón) avisou o o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, que deslocando-se ao local descobriu um sepulcro de pedra no local onde está agora a catedral. No sepulcro repousavam três corpos, que o bispo identificou como sendo de Santiago Maior e de dois dos seus discípulos Teodoro e Atanásio.
A descoberta — ou a sua invenção — ocorreu num período em que o rei Afonso II das Astúrias estava empenhado em combater o perigo de secessão e no reforço da coesão do seu reino. Para tal declara-se o genuíno representante da tradição goda em matéria de religião e leis, visando com isso assegurar a unicidade do poder. Além disso, nomeia um herdeiro de sangue real, embora não primogénito, para governar a Galiza. Mas o ato mais genial dessa política é a criação de Compostela. Aproveitando a notícia da descoberta do corpo do apóstolo, Afonso II fez uma peregrinação ao local (segundo a tradição, foi ele o primeiro peregrino de Santiago) e ali manda construir a suas expensas uma igreja a que concede privilégios e ali fixa uma comunidade religiosa. Em volta da igreja fixa população e funda uma povoação que desde o início goza de prerrogativas reais. Com isto, o rei asturiano consegue encontrar um padroeiro para a sua causa contra os muçulmanos, um Santiago cavaleiro e “mata-mouros”, e ao mesmo tempo passa a ter uma cidade fiel até ao limite encravada no coração da Galiza. Santiago torna-se assim o braço estendido do monarca asturiano na Galiza.
A notícia da descoberta do túmulo espalhou-se tanto no reino como fora dele, fazendo com que Compostela se tornasse um novo lugar de peregrinação da cristandade, numa altura em que a importância de Roma decaíra e Jerusalém estava inacessível por estar nas mãos dos muçulmanos.
A cidade foi-se desenvolvendo pouco a pouco. À comunidade eclesiástica estabelecida por Afonso II que tinha a seu cargo o sepulcro e respetiva igreja, constituída pelo bispo de Iria Flávia e pelos monges de Antealtares foi-se juntando espontaneamente uma população heterogénea, a maioria proveniente das aldeias próximas. O povoado foi crescendo ao mesmo tempo que a peregrinação se tornou mais popular, estendo-se a todo o Ocidente da Península Ibérica. O crescimento foi reforçado com o privilégio concedido por Ordonho II em 915, que determinava que quem quer que permanecesse quarenta dias sem ser reclamado como servo passava a ser considerado como um homem livre com direito a residir em Compostela. O primeiro habitante conhecido de Compostela é um estrangeiro de nome Bretenaldo Franco, cuja menção mais antiga é de 955.
Séculos X a XV
Planta aproximada da Villa Sancti Iacobi (Santiago de Compostela)
Planta de c. ano 1000
O santuário foi também ganhando importância política. Ali foram coroados alguns monarcas dos reinos da Galiza e de Leão, como Sancho Ordonhes (r. 925–929), Ordonho IV (r. 958–960), Sancho I (r. 956–966) ou Bermudo II (r. 982–999). O bispo Sisenando II fortificou a cidade em 968 ou 969.[carece de fontes] O então ainda pequeno, mas próspero povoado sofreu com as tentativas de invasão e saques dos normandos,[7] os quais chamavam ao Reino da Galiza Jakobsland (país de Santiago). A resistência aos invasores foi organizada a partir de Compostela e o próprio bispo Sisnando morreu em combate. Devido à sua prosperidade e popularidade, a cidade foi destruída por Almançor em 10 de agosto do ano 997,[7] que só respeitou o sepulcro do apóstolo. Após o regresso dos habitantes começou a reconstrução e em meados do século XI o bispo Crescónio dotou a cidade de uma cintura de fossos e uma nova muralha, cnstruída sobre o antigo anel de paliçadas, para proteger os novos bairros que tinham surgido em redor do povoado primitivo. Além disso, reivindicou para a cidade o estatuto de sede apostólica.
Em 1075, o bispo Diego Páez deu início à construção da catedral românica. O crescimento da peregrinação faz de Compostela um local de referência religiosa na Europa, o que aumenta a importância da cidade, que se reflete também no aumento do seu peso político. Em 1120, o arcebispo Diego Gelmires obtém do papa Calisto II a transferência do da sé metropolitana de Mérida, então em mãos muçulmanas, para a igreja compostelana, o uso do pálio e o Jubileu Compostelano (ou Anos Santos). Isto libertou a diocese da velha tutela dos arcebipos de Braga, que no entanto mantiveram a sua autoridade sobre a maior parte das dioceses do Reino de Portugal em formação. A igreja de Santiago passou a ter jurisdição sobre a maioria das dioceses de Leão e das Astúrias (a Arquidiocese de Oviedo só foi criada em 1954). Além disso, Santiago era o centro de um grande senhorio feudal governado pelos bispos de Compostela, que ia desde o rio Iso, afluente da margem direita do Ulla, até ao Atlântico.
A par da prosperidade crescente, no século XII a cidade passou também por grandes agitações políticas e militares. No século XII a cidade assistiu também às revoltas urbanas de 1116 ou 1117 e 1136 contra a rainha Urraca e o bispo Gelmires. Este foi tutor do futuro rei Afonso VII de Leão, que foi coroado por ele na nova catedral em 1111 como rei da Galiza, o que não impediu o bispo de entrar em confronto com Urraca, mãe de Afonso. O pontificado de Gelmires foi uma época aúrea para a cidade. As rendas proporcionadas pelos votos instituídos ao padroeiro de Espanha e pelo mito de Clavijo são usadas para financiar numerosos edifícios monumentais, parte deles ainda existentes. Para perpetuar os seus feitos, Gelmires mandou escrever a Historia compostelana. É também desta época o Códice Calixtino, um conjunto de textos reunidos no final do pontificado de Gelmires e que era apresentado como sendo da autoria do papa Calisto II, uma fonte fundamental da história da peregrinação ao túmulo do apóstolo.
O Pórtico da Glória da catedral num pintura de 1849 de Jenaro Pérez Villaamil
Entre os séculos XII e XIII a urbe continuou a crescer dentro do recinto muralhado, aumentando o número de casas e ruas. Os reis Fernando II (r. 1157–1188) e Afonso IX (r. 1188–1230) favoreceram a cidade e foram sepultados na catedral. O século XIV é marcado por conflitos sociais e políticos e pela peste negra. Os burgueses da cidade reclamavam mais autonomia e em 1318 impedem a entrada em Compostela do prelado francês Berenguel de Landória, nomeado arcebispo em 1317 e que só conseguiu tomar posse do senhorio alguns anos depois, após fazer cair numa emboscada no castelo da Rocha Forte os cabecilhas da revolta, que foram assassinados. A data da emboscada, 16 de setembro de 1320, ficou conhecida como o “Dia da Ira”. A paz foi assinada a 27 e setembro, mas algumas fontes referem que o bispo só tomou posse em 1322. A vingança chegaria em 1366, com o assassinato do sucessor de Berenguel, Suero Gómez de Toledo, às mãos dos Suárez de Deza (Churruchaos), durante as guerras pelo trono de Castela entre Henrique II e Pedro, o Cruel. A chegada da peste negra à cidade originou uma forte recessão demográfica, que só começou a recuperar a partir de 1380. No século XV, Santiago não tinha mais do que 4 000 a 5 000 habitantes.
Idade Moderna
Hospital dos Reis Católicos, na Praça do Obradoiro
Fachada principal do Mosteiro de São Martinho Pinário, na Praça da Imaculada, em frente à fachada norte (da Acibecharía) da catedral
O cabido compostelano, dirigido pelo deão Diego de Muros III, promoveu obras de grande importância, com um caráter próprio do humanismo então em voga, como o Hospital dos Reis Católicos e o Estudo Velho, embrião da futura universidade, que foi fundada em 1495 por Lope Gómez de Marzoa. Estes feitos e o labor do arcebispo Alonso III de Fonseca dão um novo impulso à atração de Santiago, particularmente na Galiza, apesar do relativo declínio da importância da cidade.
Santiago foi sede da Real Audiência do Reino da Galiza desde 1508, mas a pressão eclesiástica fez com que se trasladasse para a Corunha em 1578. As reformas do poder monástico marcaram o renascimento dos conventos de São Martinho Pinário e de São Paio de Antealtares, o que contribuiu para uma intensa atividade de construção.
No início do século XVII a cidade assiste a um período de decadência. Na sua obra Anais Eclesiásticos, o italiano César Barónio, confessor do papa Clemente VIII, questionou a peregrinação do apóstolo a Hispânia. Este dado foi recolhido no Breviário Romano e teve um grande impacto negativo na cidade e nas peregrinações. O cabido compostelano conseguiu pouco tempo depois que o Breviário fosse modificado, mas entretanto surgiu uma nova dificuldade: em 1617 e 1626, a Ordem dos Carmelitas promoveu Santa Teresa de Ávila como co-padroeira de Espanha, o que acarretou perdas económicas para Santiago. O cabido logou novamente, com a ajuda de personalidades importantes, como Francisco de Quevedo, devolver ao apóstolo o estatuto de padroeiro único de Espanha.
Em 1643 dá-se outro evento semelhante, quando as Cortes propõem um novo co-padroeiro de Espanha, São Miguel Arcanjo, mas esta proposta teve duração breve, pois no mesmo ano Filipe IV declarou Santiago como único padroeiro de Espanha e ordenou que em todos os dias 25 de julho se fizesse uma oferta régia de mil escudos de ouro ao arcebispado de Santiago, ao mesmo tempo que concedeu uma avultada pensão de 20 anos para financiar a realização de um retábulo em sua honra, o qual começou a ser executado em 1658. Estes eventos trouxeram prosperidade à cidade, que possibilitou o financiamento de novas construções e reformas, que se multiplicaram por toda a cidade, as quais incorporaram um estilo próprio e ao mesmo tempo universal, o barroco compostelano.
Esplendor barroco
Parte superior da fachada do Obradoiro da catedral, uma das grandes obras da arquitetura barroca em Espanha
A prosperidade do cabido catedralesco e dos mosteiros fez de Santiago um centro artístico de ponta. No início deste novo período áureo, começaram a trabalhar nas oficinas da catedral uma série de mestres de obras e arquitetos forasteiros, como o madrileno José Vega y Verdugo, o português Francisco de Antas, o avilense José Peña de Toro, o cântabro Melchor de Velasco ou o arquiteto real Pedro de la Torre. Nestas oficinas e no de São Martinho Pinário formou-se um grupo de arquitetos galegos que em 1670 passaram a dirigir as obras que estavam a decorrer em toda a cidade. Figuras notórias como o compostelano Diego de Romay, Domingo de Andrade (autor da torre do relógio), Frei Tomás Alonso, o leonês Frei Gabriel de Casas, Pedro de Monteagudo, Simón Rodríguez (autor da fachada do Convento de Santa Clara), Francisco de Castro Canseco (retábulo de São Paio de Antealtares), Clemente Fernández Sarela (casas do Cabido e do Deão) ou Fernando de Casas Novoa (fachada do Obradoiro), tornaram Santiago um conjunto barroco de alto nível à escala mundial. A magnificência e as peculiaridades do estilo arquitetónico desenvolvido por estes artistas fazem com que se fale de barroco compostelano. O mecenas por excelência foi Frei António de Monroy, arcebispo de Santiago entre 1685 e 1715.
É também nesta época que Santiago se converte no refúgio dos exilados irlandeses perseguidos pelo protestantismo, o que levou à criação de centros de acolhimento e de formação como o Colégio de São Patrício dos Irlandeses.
Idade Contemporânea
O Palácio de Raxoi, na Praça do Obradoiro, sede da Junta da Galiza (governo regional) e do executivo municipal
Durante o Iluminismo, surgiram iniciativas como a Sociedade Económica de Amigos do País, uma organização de cidadãos letrados que tinha como objetivo difundir as ideias iluministas e que tinha como ideal promover o desenvolvimento, nomeadamente através d estudo da situação económica. No entanto, após a ocupação francesa e da resistência do Batalhão Literário, formado por estudantes contra a ocupação, Santiago torna-se um baluarte conservador carlista. A igreja compostelana anseia restaurar um Reino da Galiza tradicionalista dentro da monarquia espanhola, de acordo com os parâmetros do Antigo Regime. Com a vitória liberal na Primeira Guerra Carlista (1833–1840), os vencedores castigam a cidade favorecendo a Corunha, capital provincial, em detrimento de Santiago.
É em Santiago que surge o primeiro jornal galego, El Catón Compostelano, em 1800. Em meados do século XIX já há alguma indústria, na forma de fábricas artesanais de curtumes, chocolates e refrigerantes, mas o desenvolvimento é travado pelo atraso nas vias férreas (o comboio só chega à província da Corunha em 1943).
No século XX Santiago assiste à expansão da ideologia galeguista, nomeadamente com a criação em 1923 do Seminário de Estudos Galegos, uma instituição com o objetivo de divulgar o património cultural galego formar investigadores, um papel que não era cumprido pela única universidade de Santiago, a única universidade galega da época. Nos alvores da Segunda República Espanhola, no início da década de 1930, a Assembleia de Municípios da Galiza mostrou-se favorável à redação de um estatuto de autonomia, que chegaria a ser referendado e apresentado às Cortes em 1936, mas todo esse movimento foi sufocado pelos nacionalistas durante a guerra civil, no início da qual foi fuzilado o alcaide Ánxel Casal, um destacado ativista galeguista.
O Estatuto de Autonomia de Galiza chegou finalmente em 1981, após a queda da ditadura franquista e com ela Santiago passou a ser a capital política da Galiza, retomando um protagonismo político há muito perdido,[nt 4] dando um impulso à cidade que contrariou em larga medida a diminuição da sua importância como cidade universitária devido à criação das universidades de Vigo e da Corunha em 1989.
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